Período Científico na História da Contabilidade
Introdução à Ciência
Considerando-se o que ocorria na França e o que ocorreu na Itália, no início do século XIX, simultaneamente, podemos, sem dúvida, afirmar que a mentalidade científica contábil desenvolveu-se de maneira uniforme, na ambição da busca do entendimento do que se passava com a substância patrimonial, inserida nas células sociais.
Já se havia transposto a ótica de observar o registro e a conta como objetos de estudo, ou seja, estava consolidada a idéia de que nada vale a informação se não sabemos o que fazer com ela e que a conta é um simples instrumento de registro e não o objeto de observação.
Ou, ainda, conquistara-se o raciocínio de que a conta é apenas a informação sobre algo que se vai observar e não o próprio objeto de estudos de nosso conhecimento.
Amadurecidas as idéias sobre a matéria contábil, disciplinados muitos conceitos e encontradas muitas definições, construída estava a ponte entre o empirismo e o científico.
O período pré-científico iniciado, sem dúvida, no século XVI, com a obra de Pietra, evoluído por meio de um contismo cada vez mais aprofundado, havia aplainado o terreno para que pensadores do período seguinte e as escolas e correntes de pensamento científico pudessem nascer.
Esta a razão pela qual, em 1833, com Coffy, na França, e com Villa, na Itália, em 1840, admite-se tenha sido iniciada a verdadeira literatura científica, embora seja impossível negar a validade dos trabalhos avançados de Crippa e Bornaccini.
Não podemos, entretanto, negar a relativa influência dos contistas para que J. P. Coffy chegasse onde chegou, nem a de Giuseppe Ludovico Crippa e Giuseppe Bornaccini para que Francesco Villa pudesse produzir sua monumental obra.
Talvez fosse mais adequado, portanto, admitir-se que entre 1818 e 1840, ou seja, na primeira metade do século XIX, consolidaram-se as bases do período científico, pois, evitaríamos cometer injustiças em relação a nossos pensadores e intelectuais.
O grande progresso das células sociais, das ciências e da tecnologia, ocorridos a partir da revolução industrial e social, foi também possível para que grandes passos no avanço da Contabilidade ocorressem, aguçando, nos profissionais e intelectuais, a capacidade de observação, na busca de verdades sobre o comportamento da riqueza.
Com rara propriedade, Melis afirma que a Contabilidade, nesse período, libertou-se da estreita ótica dos registros e passou ao exame do natural conteúdo dos registros, buscando o verdadeiro “objeto da Ciência Contábil”. Cada um teve sua ótica própria em relação à matéria de estudos, mas todos, buscaram-na com seriedade.
Muitos autores, após os pioneiros da ciência, seguiram, ainda, o velho refrão de preocupar-se apenas com os registros e suas formas, mas isso é irrelevante para uma situação histórica, pois, até hoje, ainda não se libertou a Contabilidade dessa horda de empirismo, conforme denuncia Mattessich.
Em verdade, o progresso não impede a reação total dos que se obstinam em suas maneiras de agir, como não impede que uns se dediquem às formas e outros às essências do conhecimento.
O que um historiólogo não pode negar à historiografia, entretanto, é o reconhecimento tempestivo ao progresso, à evolução competente para a mudança de atitudes, apenas, porque, reacionários, incultos ou maus entendedores, continuam insistindo em seus pontos de vista, congelados no passado.
Doutrinas, Escolas e Correntes do Pensamento Contábil
Como em todos os ramos do conhecimento humano, também, na Contabilidade, a ciência construiu-se de teorias.
Há um caminho natural para isso, que parte da observação de um objeto qualquer como base de estudos.
As observações levam a raciocínios organizados que geram conceitos, estes produzem enunciados ou teoremas e estes, ainda, as teorias.
Os que criam bases doutrinárias e teorias, como mestres, passam a ter adeptos e assim se forma uma escola científica, de pensamentos semelhantes.
Quando vários mestres, com suas próprias observações, partindo de uma teoria principal, formam suas teorias derivadas, em diversos locais, estabelece-se uma corrente científica de pensamentos semelhantes.
De uma escola podem surgir outras e os que eram discípulos em uma tornam-se líderes em outra, mas dentro de uma mesma filosofia, de uma mesma base teórica, como, só a título de exemplo, podemos citar: Gino Zappa como mestre de Alberto Ceccherelli (que forma a escola de Florença), este de Egídio Giannessi (que forma a escola de Pisa) e este de Giovanni Padroni.
De uma escola saem, em geral, muitas outras e o amadurecimento cultural de um líder tende a agrupar sempre outros grandes valores que também vão-se tornando líderes.
Em Contabilidade, não podemos negar tal relevante formação de doutrinas, escolas matrizes e escolas derivadas, tão como de correntes que somam as escolas dentro de uma unidade de pensamentos.
Entre as principais, destacamos, a partir do contismo (que não admito como genuinamente científica, mas, apenas, pré-científica), as seguintes:
• Materialismo substancial;
• Personalismo;
• Controlismo e neocontismo;
• Reditualismo;
• Aziendalismo;
• Patrimonialismo.
Todas essas tendências do pensamento contábil preocuparam-se em situar a verdadeira matéria de estudos da Contabilidade e a classificação desta no mundo científico, algumas preocupadas com a absoluta autonomia de nossa disciplina e outras situando-a em planos menores.
Cada uma dessas escolas, somando-se, foram transformadas em correntes, possuindo seus líderes ou expoentes intelectuais que melhor caracterizam o pensamento.
Ressalva-se, todavia, que é muito difícil precisar a real semente das idéias, pois o progresso do pensamento humano nem sempre tem origem naquele que mais fama ou nome ganhou como precursor.
Existem nomes, entretanto, suficientemente fortes, que marcaram tais escolas e correntes, e alguns passaram a corporificar as mesmas, como seus principais chefes.
Não significa que nem sempre tais nomes tenham sido os dos que tiveram a intuição científica e a sensibilidade para uma idéia que viria a formar toda uma corrente de pensamentos.
Em uma síntese, podemos assim distribuir as principais doutrinas e alguns de seus principais líderes e seguidores:
Materialismo substancial | Francesco Villa | Foi base para Besta, Zappa e Masi. |
Personalismo | Giuseppe Cerboni | Giovanni Rossi, Giovanni Massa, Francesco Alberigo Bonalumi, Vincenzo Gitti. |
Controlismo | Fábio Besta | Carlo Ghidiglia, Pietro D'Alvise, Vittorio Alfieri, Pietro Rigobon, Francesco de Gobbis. |
Reditualismo | Eugen Schmalenbach | Mallberg, Geldmacher, E. Walb,K. Mallerowicz, M. R. Lehman, W. Rieger F. Leitner, ª Hoffman. |
Aziendalismo | Alberto Ceccherelli, Gino Zappa | Pietro Onida, Lino Azzini, Carlo Masini, G. Cudini, Aldo Amaduzzi. |
Patrimonialismo | Vincenzo Masi | Francisco D'Auria, Alberto Arevalo, Jaime Lopes Amorim, José Maria Fernadez Pila. |
De todas as correntes, a que mais firmemente se implantou no Brasil foi o Patrimonialismo, hoje conhecida oficialmente, em sua base de considerar a Contabilidade como ciência do patrimônio, pela lei e pelas Resoluções do Conselho Federal de Contabilidade.
A História das Doutrinas Contábeis que se segue é, todavia, das mais expressivas que conseguimos, e se refere às tendências mais relevantes, de nosso ponto de vista, incluindo nosso Neopatrimonialismo.
Doutrinadores italianos, franceses e alemães parecem-nos terem sido os que com maior profundidade emprestaram e em maior quantidade afluíram ao estudo de nossa disciplina; todavia, notáveis são, também, as contribuições de suíços, austríacos, ibéricos e russos nesse mesmo campo.
Da evolução asiática pouco é o material que dispomos, mas, certamente, as bases expostas que se seguirão fornecerão base sólida para um entendimento sobre o pensamento científico em Contabilidade.
Fonte: SÁ, Antonio Lopes de. História Geral e das Doutrinas da Contabilidade.